Sexta, 19 de Abril de 2024
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No dia 15 de fevereiro de 1945, o Aspirante Canário integrava uma missão de oito P-47 (Lafayette, Armando, Dornelles e ele, Kopp, Eustórgio, Keller e Meneses) que atacava objetivos próximos às linhas aliadas, quando a frente ainda se mantinha nos Apeninos, teatro de muitos feitos valorosos de nossa Força Expedicionária, a FEB da Cobra Fumando. Certa altura, Canarinho foi atingido pela antiaérea tedesca e foi obrigado a abandonar o aparelho, de pára-quedas. Conseguiu safar-se normalmente, o pára-quedas funcionou direitinho e não houve maiores percalços na descida. Uma vez no chão, desfez-se do pára-quedas, quando percebeu a aproximação de tropa que pôde divisar, ao longe, por entre o bosque e a vegetação mais rasteira. Estava na vertente de uma colina nevada e os vultos inimigos vinham de cota inferior. Resolveu correr morro acima para escapar à captura. Era comum pilotos abatidos não serem aprisionados, conseguindo juntar-se aos Partizanos, guerrilheiros italianos que apoiavam os aliados.

Subiu o morro em carreira desabalada o nosso Canarinho, que, diga-se de passagem, sempre ostentou boa forma física. No topo da colina, exausto, com a língua maior que a gravata, desanimou ao sentir-se inteiramente cercado por soldados que surgiam de todo os quadrantes. — Estou perdido! Contou-nos que sua primeira providência foi largar a 45, pistola regulamentar que portávamos, para evitar maiores encrencas. Mas, á medida que os infantes se aproximavam, reconheceu-lhes o uniforme — Aleluia! Eram da FEB! Uma patrulha brasileira! Os pracinhas, entretanto, se aproximavam com cautela por falta de identificação daquele aviador todo encapotado, na realidade irreconhecível à primeira vista. Percebendo a dúvida, Canarinho usou a senha infalível, aos berros: — Eu sou brasileiro — P.Q.P.! E esta senha, nestas circunstâncias, é o mais eficiente processo de identificação. Esta força de expressão tão lusa e brasileira desanuviou logo o ambiente e provocou, de imediato, um perfeito clima de cordialidade e confraternização.

Este processo de identificação de nacionalidade não é, entretanto, exclusividade nossa. Contou-me o meu bom amigo irlandês-maranhense, conterrâneo do Rui, o Charles Reade, também piloto de caça, da RAF, Outro caso semelhante de emprego do processo. Abatido sobre a Inglaterra, quando pilotava creio que um SPITFIRE, numa refrega com os alemães, caiu de pára-quedas no meio de uma lavoura freqüentada por diversos sadios e aborrecidos lavradores britânicos. Como o esporte da época naquelas paragens era malhar pilotos alemães indesejáveis e, como, por via das dúvidas e, até mesmo, por desejo, tudo que caía era alemão, a rapaziada tocou o malho no Charles com todos os implementos disponíveis. Apanhou que nem boi ladrão, antes de poder oferecer qualquer esclarecimento. Antes que a coisa piorasse, o nosso Reade pôs a boca no mundo com todo o repertório de palavrões que havia amealhado nos educandários e quartéis britânicos. Foi como o som da flauta mágica. Tão logo o vitupério pornográfico acariciasse os ouvidos enfurecidos, estes se enterneceram e cessou a pancadaria. Novamente o valor da senha enfática para salvar a carcaça.

 

Texto escrito por Alberto Martins Torres, piloto brasileiro com o maior número de missões na Itália.